Será que ele era?
Por que os ativistas gays não divulgam isso?
Em O Segredo de Hitler, um historiador alemão defende a tese
de que o führer era gay. Indícios (picantes) não faltam
Carlos Graieb Sven
Simon
Ai, Hitler: o ditador nazista teria sido garoto de programa
A ideia de que o ditador nazista Adolf Hitler tinha algo de
homossexual não é novidade. Suas poses em fotografias, seus trejeitos, seu
bigode e seu chicote – tudo isso já foi visto como indício de uma
"inclinação homoerótica". Muitos escritores registraram suas suspeitas
de maneira clara. "Hitler não desprezou as mulheres, mas preferiu mil
vezes o jeito másculo dos rapazes", escreveu o alemão Heinrich Mann, para
ficar num exemplo só. Entre os biógrafos e historiadores, contudo, esse tipo de
diagnóstico sempre foi tratado com desconfiança. A principal causa disso é a
escassez de documentos que sirvam de prova. Hitler resguardou como pôde sua
vida privada. Enquanto esteve no poder, mandou apreender e destruir inúmeros
papéis referentes a si, o que tornou difícil fazer afirmações categóricas sobre
sua intimidade. Difícil, mas não impossível – é o que argumenta o historiador
alemão Lothar Machtan, que lança nesta semana O Segredo de Hitler (tradução de
Kristina Michahellis; Objetiva; 352 páginas; 37,90 reais). Machtan explora a
fundo, pela primeira vez, a sexualidade do líder nazista. Para tanto, reúne
depoimentos que nunca receberam muita atenção dos especialistas e procura
submetê-los a um escrutínio rigoroso. Machtan acaba convencido de que Hitler
foi para a cama com homens a partir da adolescência, e que aprendeu a sublimar
seus desejos na década de 30. Mais do que mera curiosidade biográfica, esse
fato ajudaria a explicar passos fundamentais de sua carreira.
Hitler nasceu em 1888. O primeiro capítulo do livro cobre o período
que vai de 1905 a 1914, quando ele tentou viver como artista em Viena e
Munique. A tese de Machtan sobre essa fase é forte: para sustentar-se, Hitler
teria virado garoto de programa. Com talento escasso para a pintura e pouco
dinheiro no bolso, ele morava em albergues notórios pela concentração de
homossexuais. Percorria as ruas com suas aquarelas debaixo do braço, tentando
chamar a atenção de homens mais velhos e endinheirados, com quem depois se
deitaria. "Tudo indica que Hitler não oferecia apenas sua obra, mas a si
próprio", diz Machtan. Nessas páginas iniciais, o autor também propõe uma
solução para um antigo enigma: a origem do anti-semitismo de Hitler. Como ele
próprio declarou mais tarde, esse sentimento o acometeu pela primeira vez em
1907. Ora, observa Machtan, foi exatamente nesse ano que a imprensa judaica de
Viena dispensou tratamento raivoso a um caso de denúncia homossexual, o que
ensejou a ira e a aversão do jovem Adolf. Deve-se dizer, no entanto, que as
fontes do autor para esse período não são das melhores. Ele se apóia em relatos
de amigos de Hitler, como August Kubizek ("Gustl" na intimidade) e
Reinhold Hanisch, que dividiram alojamento com ele e teriam sido seus amantes.
Tudo que esses depoimentos oferecem são insinuações.
Nada definitivo.
O material esquenta nos capítulos
seguintes. Machtan apresenta personagens que foram bem mais explícitos a
respeito da sexualidade de Hitler. O primeiro é o soldado Hans Mend,
companheiro de Hitler no Exército alemão durante a I Guerra Mundial. Em 1932, Mend
publicou um livro que deveria ter servido à propaganda do líder nazista, então
em plena ascensão, mas acabou não agradando. Enfurecido por ter sido colocado
de escanteio, Mend ameaçou revelar velhos segredos. Fez uma aposta arriscada –
e perdeu. A partir de 1933, Hans Mend foi perseguido pela Justiça alemã. Morreu
na prisão nove anos mais tarde. Como era de esperar, a documentação oficial
sobre ele sumiu. Mas um dossiê se salvou em duas cópias, hoje depositadas no
Arquivo Central da Baviera e no Instituto para História Contemporânea de
Munique. O chamado Protocolo Mend pinta um retrato negativo do cabo Hitler na I
Guerra: bajulador, dissimulado, hipócrita. Sem rodeios, ele aborda a questão
sexual. "Observávamos que ele nunca olhava para as mulheres. Desde o
início suspeitamos que fosse homossexual, pois tinha fama de anormal. Era
extremamente excêntrico, revelando traços efeminados", diz o texto. Hitler
tinha um companheiro inseparável em seu regimento, Ernst Schmidt – ou Schmid,
seu apelido carinhoso. Mend se refere a esse homem como "queridinho"
e "prostituta masculina" do futuro chanceler do III Reich.
Outras fontes importantes para Machtan são o diplomata Eugen
Dollman e o escritor Erich Ebermayer. Dollman foi representante alemão na
Itália. Serviu ao führer como intérprete nos encontros que esse manteve com o
ditador fascista Benito Mussolini. Em 1949, publicou um livro de memórias que
menciona a homossexualidade de Hitler logo nas primeiras páginas. Entre as
recordações, inclui-se a de um jantar com o general Otto von Lossow, pouco
depois de ele haver desbaratado o golpe de Estado que os nazistas tentaram dar
no começo dos anos 20. Lossow teria mostrado aos convivas um relatório secreto
que guardava para defender-se contra possíveis represálias. Segundo Dollman,
eram várias páginas com depoimentos de jovens pobres que haviam sido abordados
na rua por Adolf Hitler, levados para jantar em pequenos restaurantes,
instruídos a respeito dos ideais nazistas e depois convidados a passar a noite
em seu quarto. Ao contrário de Dollman, Erich Ebermayer não teve contatos
pessoais freqüentes com Hitler, mas conhecia bem pessoas de seu grupo. Filho de
uma família tradicional, era homossexual e nunca se preocupou em esconder o
fato. Falou sobre a intimidade do ditador nas páginas de um diário pessoal que
publicou em 1959. "Para todos aqueles que estão por dentro dos fatos,
Rudolf Hess – mais conhecido nos círculos do partido como 'preta Emma' – foi
por muitos anos amigo íntimo do führer. Meus informantes, que são totalmente
confiáveis, enfatizam com orgulho a tendência homoerótica do führer e de seu
círculo mais próximo. O próprio não está mais vivendo sua opção depois que a
política passou a absorver cada vez mais suas forças. Só de vez em quando, nas
viagens de carro entre Berlim e Munique, ele tem a oportunidade de
relaxar", registra o autor numa anotação de 1933.
Os capítulos mais importantes do livro de Machtan, contudo,
são aqueles dedicados ao relacionamento entre Hitler e Ernst Röhm. Militar de
carreira, esse último já tinha um alto posto no Exército alemão na I Guerra
Mundial. Era um homem influente quando conheceu Hitler, em 1919. Encantou-se
com sua oratória e resolveu incentivá-lo a ingressar na vida pública. Conforme
observou um contemporâneo, foi Röhm quem "calçou as botas em Hitler e o
colocou em marcha". Enquanto ele galgava os degraus da carreira política,
Röhm tratava de ganhar a lealdade do Exército alemão. Tornou-se o grande líder
da tropa regular nazista (a SA, que se contrapunha à SS, a tropa de elite). Os
dois entrariam em rota de colisão. Em junho de 1934, pouco depois de Hitler ser
eleito chanceler, Röhm foi executado. Juntamente com ele, dezenas de
correligionários e opositores do regime foram eliminados. O episódio é
interpretado nos livros sobre a II Guerra como resultado de uma luta interna
pelo poder. Segundo Machtan, é preciso levar em conta a questão da
homossexualidade nos círculos nazistas para entender de maneira completa os
acontecimentos.
A tese do historiador é a de que Hitler, que havia tempos
hesitava entre a arte e a política, só optou por essa última porque encontrou
em Röhm um modelo e, em seu grupo de militares, um ambiente onde se sentia à
vontade. Homossexual declarado, Röhm professava o ideário do escritor Hans
Blüher, autor de textos sobre o "fenômeno erótico" que estiveram em
voga no começo do século. Pode-se dizer que esses textos faziam apologia do
amor na caserna. Defendiam a idéia de que o afeto entre amigos, no interior de
agremiações masculinas, ajudava a forjar heróis e líderes carismáticos. Machtan
demonstra que esse ideário foi muito influente nos primórdios do nazismo.
"Erotismo e sexualidade entre homens carregados de ideologia foram pedras
angulares da cultura fascista no período pré-1933", escreve ele. Depois da
ascensão de Hitler ao poder, porém, o quadro político se complicou. No interior
do governo formaram-se grupos opostos: Röhm de um lado, Himmler e Goebbels do
outro. Não demorou para que as inclinações de Röhm fossem usadas contra ele.
Durante algum tempo, Hitler procurou equilibrar-se nessa briga. Finalmente,
postou-se contra o antigo mentor. Os assassinatos de 1934, e o de Röhm em
particular, foram justificados como meio de expelir do partido seus quadros
"degenerados". A partir dessa data, a perseguição aos homossexuais
passou a fazer parte do programa nazista.
Machtan reconhece que essa perseguição parece um obstáculo à
sua teoria de um "Hitler gay". Só à primeira vista, afirma ele. Em
primeiro lugar, a lei alemã de repressão à homossexualidade não foi invenção
nazista. Constava de muito antes no Código Penal e perdurou até 1969. Em
segundo lugar, não se pode falar em holocausto gay como se fala de holocausto
judeu. A eliminação não foi nem de longe tão sistemática. Homossexuais
influentes, com ligações no partido nazista, foram poupados. O já citado Erich
Ebermayer é um exemplo. Além disso, Hitler nunca se manifestou abertamente
contra a homossexualidade. Os discursos mais ácidos sobre o tema foram feitos
por outros, como Himmler. Se ele concordou com a caça às bruxas de 1934, foi
por instinto de autopreservação. Há indícios de que Röhm tentou usar suas
informações sobre a intimidade do führer para chantageá-lo. Para consolidar seu
poder e livrar-se desse embaraço, Hitler o sacrificou. Também passou a sublimar
a própria sexualidade. Voltou para dentro do armário. O namoro dos anos
seguintes com a vendedora Eva Braun não seria mais que uma farsa conveniente.
Nesse ponto os biógrafos são unânimes: nunca houve sexo entre eles.
FINAL ROMÂNTICO
Divulgação
O colega de alojamento Gustl: supostos amantes
"Estava com pena de Adolf – suas roupas de baixo
completamente encharcadas, ele tiritava de frio. Peguei um dos panos, abri-o
sobre o feno e disse a Adolf para tirar a camisa molhada e a cueca e se enrolar
nele. Foi o que ele fez. Nu, Adolf deitou-se sobre o tecido. Juntei as pontas e
o envolvi firmemente. Depois, peguei um outro pano para cobri-lo. Então me
deitei ao lado dele. Adolf não fazia questão que houvesse mais alguém ali.
Divertia-se com a nossa aventura e aquele final romântico lhe agradava
bastante. Afinal, estávamos bem quentinhos."
Depoimento de August Kubizek, em O Segredo de Hitler
ADI E SCHMIDT
Divulgação
Hitler (o segundo, da dir. para a esq.) e Schmidt (ao
centro): mais que companheiros
"Desde o início, suspeitamos que fosse homossexual. Era
extremamente excêntrico, revelando até mesmo traços efeminados. Nunca tinha um
propósito claro ou convicções firmes. Em 1915, estávamos alojados na cervejaria
Le Febre, em Fournes, onde dormíamos sobre feno. Hitler costumava passar as
noites com Schmidt, sua prostituta masculina. Certa vez, ouvimos um ruído no
feno. Um de nós acendeu a lanterna e grunhiu: 'Vejam só aquelas duas'. De outra
vez eu estava com uma garota no Café Rathaus quando entrou 'Adi' com seu amigo
Schmidt. Hitler me abordou: 'Olá, você sabe onde posso encontrar um lugar para
dormir?' Minha garota reclamou: 'Se você se dá com esse tipo de gente, não fico
mais com você.' "
Depoimento de Hans Mend
SA HIPERGAY
Divulgação
"Os êxitos de Röhm não se deviam apenas à sua fama como
oficial competente, mas também à sua política de administração de pessoal. As
posições-chave dentro da SA eram ocupadas preferencialmente por homossexuais,
que convidavam amigos para ocupar outros cargos. Em pouco tempo a SA ganhou
fama de ser uma associação homossexual. Em entrevista há alguns anos o crítico
de arte Christian Adolf Isermeyer recordou-se: 'Conheci também gente da SA. Em
1933 ainda promoviam festas ruidosas em Berlim. Estive numa delas. A festa era
bem-comportada, mas totalmente gay, só havia homens. A SA era hipergay naquela
época'. A inclinação homoerótica da SA acabou por se tornar um flanco aberto
para a direção do partido, alvo fácil para adversários políticos."
Trecho de O Segredo de Hitler
Fonte: Veja
Divulgação: www.jorgenilson.com
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