LIÇÃO 9 A FAMÍLIA E A SEXUALIDADE
INTRODUÇÃO
I – Questões sobre a
sexualidade
II – O valor da pureza
sexual antes do casamento
III – O sexo que bíblia
condena
CONCLUSÃO
Os Mistérios do Amor Conjugal em Cantares
No centro de Cantares está o amor que se
exprime com naturalidade, simplicidade, pureza e calor a sua paixão e
intimidade.
Por
Esdras Costa Bentho
"Que ele me beije com os beijos da sua boca!" (1.2)
Cantares é a obra mais romântica e simbólica da literatura universal.
Seus símbolos ilustram o amor em uma profusão que o leitor fugaz não percebe.
Trata-se de uma óde atemporal, que representa o amor entre um homem e uma
mulher do modo mais sagrado e belo.
No centro de Cantares está o amor que se exprime com naturalidade,
simplicidade, pureza e calor a sua paixão e intimidade: “gritos de alegria, a
voz do noivo e a voz da noiva” (Jr 7.34; 16.9; 25.10). Justamente por causa da
absoluta universalidade dessa experiência, os símbolos usados em Cantares são
constantes e logo perceptíveis, pelo menos a nível global, embora nos detalhes
estejam carregados de conotações orientais, exóticas e, às vezes, exasperadas.
Amor
Cantares é um encontro com o amor. Trata-se de um verdadeiro
minivocabulário de palavras repetidas dezenas de vezes, porque o enamorado nunca
se cansa de dizer à sua mulher: Tu és fascinante (na’wah); és encantadora
(iafah); minha amada (‘ahabah); minha irmã (‘ahotî); minha esposa (kallah); meu
tesouro (ra ‘iatî); amor de minha alma (‘ahabah nafsî), minha única (6.9).
Cantares convida o homem moderno a expressar sem medo ou receio o seu mais
profundo amor à mulher amada. Desperta o amásio a expressar as mais
significativas e belas frases de amor. A palavra é geradora de sentimentos e
fertilizante para o coração.
E para a mulher, o esposo é sempre dodî, “o meu amado”. É
assim que o coração é arrebatado (4.9), a paixão é fremente (7.11; 8.7), a
delícia (5.17) cancela a vergonha (8.1,7), o anelo inconsciente (6.12) gera
contemplação (7.1) e predileção (6.9). Há quase um desmaio de amor (2.5), numa
espécie de doença incurável (2.5; 5.8), num sono estático (2.7; 3.5; 5.2; 7.10;
8.4,5), numa embriaguez (5.14), num desfalecimento incitante (5.6). Mas também
há o medo que perturba (6.5), há a ausência insuportável (5.6), os pesadelos
noturnos (3.8). Mas tudo se esvaece e apenas ouve-se aquela voz doce e suave
(2.14). Então tudo volta a ser triunfo dos sentidos numa espécie de paraíso do
olfato e do paladar: os frutos do amor são saborosos (2.3; 4.16; 7.9,14), são
mel, néctar, leite (4.11; 5.1,12), doçura para o paladar (5.17) [1].
O amor é comparado a cheiros e sabores. Na carreira diária, às vezes,
nos esquecemos do estro que nos torna humanos. Colocamos os nossos sentidos
reféns do vil metal, enquanto eles são indispensáveis ao conhecimento do outro.
Não se ama sem odores e cheiros. O amásio conhece o doce cheiro de sua amada e
o paladar de seus lábios. O amor demonstrado na obra eleva o amor a um estado
de completo arrebatamento. O poema recomenda aos amásios a sentirem o cheiro e
o sabor um do outro. É um convite ao verdadeiro encontro! Nesse amor sublime,
nada espiritual e muito menos mundano, os amásios são convidados a viverem com
toda intensidade a sua plena humanidade e conjunção carnal nos laços do
matrimônio.
Corpo
Não existe, de fato, um livro bíblico que siga tão intensamente a
realidade do corpo em todos os seus meandros e segredos e em toda a sua
aparência. Vemos o rosto (2.14; 5.2,11; 7.6; 8.3) com a boca aberta ao beijo
(1,2; 4.3; 8.1); e à voz (2.8,14; 5.2; 8.12), com os lábios frementes (4.3,11;
5.13; 7.10), com a língua (4.11), com os dentes cândidos (4.2; 5.12; 6.6), com
o paladar que deseja saborear (5.16; 7.10); e o nariz atraído pelos perfumes
(7.9), com as faces 1.10; 4.3; 5.13; 6.7), com os olhos (1.15; 4.11; 5.2,11;
6.5; 7.5; 8.10) que muito se movem e piscam (2.9) ou ternos (4.9), com os
cabelos e as tranças (4.1,6; 5.10), com o pescoço harmonioso (1.10; 4.4; 7.5).
Nada mais óbvio do que afirmar que cada detalhe da amada ou do amado não
passa despercebido ao verdadeiro amor. Em uma cultura que aprendeu a ditar suas
regras estéticas e seus gostos artesanais à moda Michelangelo, o ser (Dasein)
desaprende a ver as qualidades intrínsecas da própria fisionomia humana,
irretocável. Não importa o formato do nariz, o importante é usá-lo para cheirar
os mais preciosos odores do cônjuge. Pouca importância tem a densidade dos
lábios, o essencial é saborear aquilo que o amor reservou para os amantes. A
cor dos olhos não cativa tanto quanto o seu brilho. Quem ama encontra suas
próprias razões para amar, apesar de tudo.
Depois, eis o corpo ereto (2.9; 7.8) que se ergue solene (2.10,13; 3.2;
5.5), que aperta com força o ser amado (3.4), que abraça (2.6; 8.3,6), que
dança de júbilo (2.8), mas que também é plantado sobre as pernas e sobre os pés
(5.3; 7.2). [2] O corpo é visto em Cantares como um cântaro cheio de surpresas
e venturas.
O amor, sentimento difícil de ser descrito em palavras, tem através das imagens corpóreas do Cântico a sua mais elevada expressão e propósito. Se ama verdadeiramente quando se entrega. Tentaram em vão, Orígenes e São Bernardo, explicar as imagens corporais como símbolos da virtude cristã, ou sabedoria e ciência. Pobres teólogos mortais...que se negam a amar e a reconhecer que o amor entre cônjuges é uma dádiva da criação divina!
O amor, sentimento difícil de ser descrito em palavras, tem através das imagens corpóreas do Cântico a sua mais elevada expressão e propósito. Se ama verdadeiramente quando se entrega. Tentaram em vão, Orígenes e São Bernardo, explicar as imagens corporais como símbolos da virtude cristã, ou sabedoria e ciência. Pobres teólogos mortais...que se negam a amar e a reconhecer que o amor entre cônjuges é uma dádiva da criação divina!
Observa-se também o esplendor dos seios (1.13; 4.5; 7.4,8,9; 8.8,10), a
perfeição dos quadris (7.2), da bacia (7.3), do ventre (5.14; 7.3). Os seios
com todo o seu esplendor é o repouso do abraço apaixonado! Um dado muito
interessante relata em 7.4: os seios como crias gêmeas da gazela. Nada mais
risonho, infantil e dócil. Nego-me a aceitar a interpretação de que os dois
seios são as colinas de Ebal e Gerizin. Trata-se da mais eficaz sedução da
parte da amada, que desejam os intérpretes reduzir a duas colinas vetustas e de
valor espiritualmente simbólico. Ao movimentar freneticamente os quadris, os
seios movem-se rapidamente, lembrando ao amado os gamos gêmeos saltitando pelos
bosques.
Eis ainda, acima de tudo o coração que, na linguagem bíblica é sinônimo
de consciência, inteligência e amor (5.4; 8.6). Nessa luz, o conhecimento
recíproco dos enamorados não acontece só através da mente, mas também da
paixão, dos sentidos, da ação e da alegria que se completa na plena realização
sexual do casal: Meu bem amado põe a mão pela fenda e minhas entranhas
estremecem. Não precisamos "abrir o verbo" para não corar os mais
tímidos! Os símbolos "mão" e "fenda", desde a Antiguidade
representavam os órgãos sexuais masculino e feminino, e no mínimo, aqui, as
carícias entre os cônjuges. A destreza do amado é comparada em 5.14 à
"mãos de ouro torneadas, cobertas de pedras preciosas". Cântares
convida o casal a viver a vida sexual em sua completude, sem receios ou
moralismo hipócrita que impede a felicidade dos cônjuges. Viva plenamente!
Perfumes
Cantares é permeado por perfumes (1.3,12ss; 2.13; 3.6; 4.10-11; 5.13;
7.9,14): Nardo (1.12; 4.13), cipreste (1.14; 4.13); bálsamo (2.17; 5.1,13; 6.2;
8.14), essência exótica (6.6; 4.14), incenso (3.6), açafrão, canela e cinamomo
(4.14). Existe até mesmo um “monte da mirra”, uma “colina do incenso” (4.6) e
os “montes do bálsamo” (8.14). A suavidade do vinho é a comparação mais
espontânea para exprimir a embriaguez e doçura do amor (2.4; 4.10; 5.1; 7.3,10;
8.2). Nada melhor do que comparar o amor ao cheiro exótico da canela, que se
supõe poderes afrodisíacos! As plantas odoríficas estão plantadas no
"jardim fechado", figura que destaca o mistério, o espanto e assombro
que é o amor de uma mulher com o seu marido. Ela é um jardim fechado em cujo
canteiro estão plantados diversas ervas aromáticas que jamais poderiam crescer
juntas. Esse jardim fechado também é um belo e delicioso pomar, cujas frutas
saborosas são para a degustação dos amados. É um paraíso de romãs (4.13), um
pomar das delícias que só o encontro assombroso entre um homem e uma mulher
poderia desfrutar. O jardim das delícias é carregado com o cheiro do amor e dos
sentimentos que se perpetuam e se fixam com os odores das plantas. Trata-se, na
verdade, de um convite ao amor, comparado a pomares e ervas aromáticas. Um
mistério que somente os que amaram intensamente são capazes de revelar.
Objetos Preciosos
A vista e o tato são envolvidos, seja por causa do contato físico entre
os dois corpos, seja porque o esplendor do amor é pintado segundo as impressões
produzidas por deslumbrantes objetos preciosos: Ouro e prata (1.11; 3.10;
5.11,13,15; 8.9,11,12), pérolas e brincos (1.10,11; 4.9), coroas (3.11), selos
(8.6), taças (7.3), madeira nobre do Líbano (3.9); bordados (3.10), púrpura
(3.10; 4.3; 7.6), safiras (5.14), marfim cinzelado (5.14; 7.5).
Jardim
Sobre o jardim brilha o sol (1.6; 6.10) e se reflete a lua (6.10).
Sucedem-se as auroras e as noites (6.10; 7.12,13), descem as sombras (4.6),
sopram o aquilão e o austro (4.16), sopra a brisa (2.17; 4.6), levantam-se
colunas de fumaça (3.6), gotejam as chuvas e o orvalho (2.11; 5.2). O jardim
“fechado” (4.12) é a figura do “eu feminino”, a “inviolabilidade da pessoa”, um
“mistério inatingível contido no corpo da mulher e do seu parceiro”. Salomão
salienta que a amada é exclusivamente dele, como um jardim que pertence
unicamente ao seu dono, sendo inacessível a todos. Também os poços e fontes
eram, às vezes, selados para preservar água, coisa mais do que preciosa no
oriente, evitando que outros a tomassem.
Finalmente, só poderíamos terminar com o verso mais célebre dos Cânticos
dos Cânticos:
“... azzah kammawet ‘ ahabah..”
“forte como a morte é o amor”.
Notas
[1,2] RAVASI, Gianfranco. Cântico dos Cânticos: pequeno comentário bíblico. São Paulo: Paulinas, 1988.
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