Até o diabo tem direito a advogado
Marcos Guterman
A figura do “advogado do diabo” foi criada pela Igreja Católica no século 16 para contestar os milagres atribuídos aos candidatos a santo nos processos de canonização. Era uma forma de forçar os promotores da causa a provar o que diziam, dando ao resultado final um forte senso de justiça.
Bem, se até o diabo tinha direito a advogado, Israel também deveria ter. Nesse estranho mundo em que vivemos, porém, não é bem assim que funciona.
Pintado como o grande demônio da atual crise no Oriente Médio, Israel, faça o que fizer, será sempre condenado. Mesmo que exponha o absurdo da ambigüidade moral embutida no argumento segundo o qual os israelenses não deveriam responder aos ataques do Hamas, mesmo que sua população no sul do país continue apavorada, mesmo que o Hamas já tenha dado provas suficientes de que, se tivesse meios e oportunidade, liquidaria todos os judeus, mesmo com tudo isso é Israel, e somente Israel, o condenado.
O fato de o Hamas atuar em meio à população civil, justamente para usar as vítimas a favor de sua propaganda asquerosa, não é levado em consideração pela opinião pública mundial, mobilizada pelo fim do “genocídio” dos palestinos. Mas que genocídio? Chamar de “genocídio” a morte de 0,05% de uma população (considerando-se somente Gaza, sem levar em conta os palestinos da Cisjordânia), numa guerra em que ambos os lados estão armados, é uma clara manobra para demonizar Israel. Para efeito de comparação, Darfur, no Sudão, perdeu 7% de sua população no atual conflito, aquele conflito para o qual o mundo reserva apenas indiferença olímpica. Isso sim é genocídio — há a clara intenção de liquidar todo um povo, o que Israel definitivamente não está fazendo nem muito menos pretende fazer. Israel luta contra o Hamas, e não contra os palestinos. No entanto, no tribunal moral montado contra Israel, nada disso é importante.
A situação é tão interessante que Israel não tem nem sequer o direito de ter quem lance dúvidas sobre a “certeza moral” que se formou contra o Estado judeu. Quem experimenta dizer que talvez Israel possa ter alguma razão, ainda que exagere na dose, é imediatamente qualificado de desumano. Quem argumenta que os palestinos estão na situação em que se encontram também por irresponsabilidade de lideranças corruptas e fanáticas é logo rotulado de imperialista. Quem espera que a comunidade internacional atue também para conter os excessos dos grupos militantes palestinos é considerado diversionista. Quem recorda que crianças israelenses foram destroçadas às pencas em atentados palestinos, e que não houve nem uma mísera passeata no mundo condenando esses atos de terror sanguinário, é visto como inconveniente.
Ou seja: Israel é ainda pior que o diabo, porque não pode ter advogados — nem quem chore por suas crianças.
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