LIÇÃO 1 FAMÍLIA, CRIAÇÃO DE
DEUS
INTRODUÇÃO
I – A família no
plano divino
II – A queda e as
suas consequências para a família
III – A constituição
familiar ao longo dos séculos
CONCLUSÃO
ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA DA FAMÍLIA
Por
Esdras Costa Bentho
1. Família, Projeto Divino
Na
sociedade hebraica a família era o âmago da estrutura social. Na Tanach, exclusivamente em Berê’shîth (Gênesis), encontramos o
princípio judaico-cristão da família no texto que diz: “E disse o Senhor Deus:
Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma adjutora que esteja como
diante dele. Então, o Senhor Deus fez
cair um sono pesado sobre Adão, e este
adormeceu; e tomou uma das suas costelas e cerrou a carne em seu lugar. E da
costela que o Senhor Deus tomou do homem formou uma mulher; e trouxe-a a
Adão. E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos e carne da minha carne;
esta será chamada varoa, porquanto do varão foi tomada. Portanto, deixará o
varão o seu pai e a sua mãe e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma
carne. E ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e não se envergonhavam” (Gn
2.18,21-25). Segundo o filósofo Lévi-Strauss, o princípio da família é dado
pelo texto da Escritura que diz: “deixará o varão o seu pai e a sua mãe”, regra
infrangível ditada a toda a sociedade para que possa estabelecer-se e durar.
·
Família,
Centro da Comunhão.
Deus é
quem decidiu criar a família. Esta foi formada para ser um centro de comunhão e
cooperação entre os cônjuges. Um núcleo por meio do qual as bênçãos divinas
fluiriam e se espalhariam sobre a terra (Gn 1.28). Não era parte do projeto
célico que o homem vivesse só, sem ninguém ao seu lado para compartilhar tudo o
que era e tudo o que recebeu da parte de Deus.
O homem
sente-se pessoa não apenas pelo que é, mas também quando vê o seu reflexo no
outro que lhe é semelhante. Portanto, a sentença divina ecoada nos umbrais
eternos expressa o amor e o cuidado celeste para com a vida afetiva do homem.
Para Deus, “não é bom que o homem esteja só”. O verbo estar, no presente do
subjuntivo (esteja), tradução do hebraico hayâ, expressa um estado
circunstancial e transitório do ser. A solidão é um agravo à saúde psicofísica
da criatura humana e, por mais esta razão, Deus não deixaria a criatura feita à
sua imagem sem um semelhante para comungar.
O próprio
Deus não estava solitário na eternidade, mas partilhava de incomensurável
comunhão com o Filho e o Santo Espírito. Deus é um ser pessoal e sociável às
suas criaturas morais. No entanto, contrapondo a natureza divina à humana,
concluímos que o intrínseco relacionamento entre a divindade e o ente humano
dá-se em níveis transcendentais, metafísicos.
Por
conseguinte, faltava ao homem alguém que lhe fosse semelhante, ossos dos seus
ossos, carne de sua carne, alguém que se chamasse “varoa” porquanto do “varão”
foi formada. Essa correspondência não foi encontrada nos seres irracionais
criados, mas na criatura tomada de sua própria carne e essência. A mulher era
ao homem o vis-à-vis de sua
existência. Seu reflexo. Partida e chegada. Como sabiamente afirmou Derek
Kidner, “a mulher é apresentada integralmente como sua associada e sua
réplica”. Nisto, inferimos que a comunhão entre os cônjuges envolve a plena
identificação com o outro. Deus se identifica com o homem, e este, com Deus,
pela imagem divina que no homem está. O homem e a mulher se identificam mutuamente
por compartilharem da mesmíssima imagem divina: “E criou Deus o homem à sua
imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou” (Gn 1.27).
Homem e
mulher, portanto, fazem parte do mesmo projeto celífluo. Sentem-se tão
necessários à existência do outro quanto dependem individualmente do ar que
respiram. Esta interdependência é inerente à formação moral e espiritual do
próprio ser. Faz parte do mistério, da teia de encontros e desencontros, de
fluxo e refluxo que cercam a união entre homem e mulher. A união conjugal,
portanto, antes de ser um contrato jurídico, era um ato de amor, companheirismo
e cumplicidade em que as principais necessidades humanas eram plenamente
satisfeitas. Homem e mulher se auto-realizavam um no outro. Para o sábio era
mais fácil entender o caminho da cobra na rocha; o do navio no meio do mar, ou,
ainda, da águia no céu do que o “encontro” de um homem com uma mulher (Pv
30.18,19). O espanto do sábio só se compara ao de Ismene à Antígona ao dizer:
“De fogo é o teu coração em atos que gelam”.
·
A
Constituição do Núcleo Familiar.
A
constituição do núcleo familiar a priori
foi composta por um homem e uma mulher. Mais tarde, acrescentou-se ao casal os
filhos gerados dessa união. A partir do nascimento dos primeiros filhos, a
família tornou-se o primeiro sistema social no qual o ser humano é inserido.
A
primeira família, formada apenas por duas pessoas, tornou-se numerosa por meio
dos filhos que, ao serem gerados, se inseriram ao núcleo familiar assumindo
diversos papéis dentro do sistema: filho, irmão, neto, primo, etc. A família
não foi criada, portanto, como um sistema fechado, mas dinâmico, e, com o
passar do tempo, o número de seus membros foi aumentando gradativamente, e
destes formando novos núcleos familiares ligados por consanguinidade e
afinidade. Para mencionar mais uma vez Lévi-Strauss, este considerava que o
grupo familiar tem sua origem no casamento. Este núcleo é constituído pelo
marido, pela mulher e pelos filhos nascidos dessa união, bem como por parentes
afins aglutinados a esse núcleo.
No
contexto desse sistema familiar, cada membro do grupo passa por uma série de
funções ou papéis sociais determinados tanto por fatores exógenos, que estão
ligados aos cenários sociais próximos a ele, como por endógenos, ligados a
idade, sexo e maturação psicológica.
Embora
óbvio e redundante, creio ser necessário registrar que a família é o primeiro
sistema social mais significativo e importante para os primeiros anos de vida
de qualquer indivíduo. Consequentemente, a primeira experiência relevante de
qualquer pessoa, exceptis excipiendis,
manifesta-se positiva ou negativamente no sistema familiar. No entanto, é
sabido que a família não é a única instituição responsável pelo crescimento
cognitivo, afetivo, religioso e social do indivíduo, mas, como afirma
Bronfenbrenner:
O mundo exterior tem um impacto considerável desde o
momento em que a criança começa a relacionar-se com as pessoas, grupos e
instituições, cada uma das quais lhe impõe suas perspectivas, contribuindo,
assim, para a formação de seus valores, de suas habilidades e de seus hábitos
de conduta.
Esta explicação serve-nos de esteio para a constatação
da importância que a instituição familiar e das muitas outras vigentes em
Israel no tempo do Antigo Testamento – civil, militar e religiosa – tinham para
a formação de um Estado teocrático. Todos se pautavam em um único livro,
procedente da vontade do Único e Eterno Deus de Israel (cf. Nm 15.15,16,29).
Texto extraído da obra “A Família no Antigo Testamento: História
e Sociologia”, editada pela CPAD.
Divulgação: www.jorgenilson.com
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